Regime de Transparência Fiscal – Fuja Já! Antes que seja tarde demais.

Para quem não conhece este regime, este nome pode ser estranho, no entanto, causa estragos para muitas empresas, e geralmente os sócios não sabem como o evitar. Um dos casos mais comuns é a tributação em transparência fiscal das sociedades com rendimentos de arrendamentos de bens imóveis.

O Regime de Transparência Fiscal (RTF) é um mecanismo legal em Portugal que atribui o lucro de certas sociedades diretamente aos seus sócios, para tributação no IRS de cada um, independentemente de esses lucros serem ou não distribuídos como dividendos.

Em vez de a sociedade pagar IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) à taxa fixa de 20%, a matéria coletável da empresa é imputada e tributada na esfera pessoal de cada sócio, às taxas progressivas de IRS (que podem chegar a 48%).

Isto pode resultar numa carga fiscal significativamente maior para os sócios, motivo pelo qual o RTF causa estragos em muitas empresas familiares e pequenos negócios – e geralmente os sócios nem sabem que a sua empresa está abrangida ou como evitar esse enquadramento.

De salientar que não se trata de algo optativo, pois este regime de tributação é obrigatório para todas as sociedades que se enquadrem no previsto.

Abaixo esclarecemos dois regimes distintos em que o RTF se aplica automaticamente – e quais os critérios concretos de cada um.

1. Sociedades de profissionais

Se a sociedade foi constituída exclusivamente para o exercício de uma atividade profissional listada no art. 151.º do CIRS (que inclui várias profissões liberais como advogados, médicos, arquitetos, consultores, artistas, etc.), e todos os sócios são pessoas singulares que exercem essa atividade através da sociedade, então é automaticamente considerada sociedade de profissionais.

Então, para este tipo de sociedades, os critérios para a sociedade ser obrigada a ser abrangida para o Regime de Transparência Fiscal são:

  • Mais de 75% do rendimento da sociedade deve provir do exercício (isolado ou conjunto) de atividades profissionais específicas constantes da lista do art. 151.º do CIRS.

  • Durante mais de metade do ano (mais de 183 dias), a sociedade não pode ter tido mais de 5 sócios

  • Pelo menos 75% do capital social da empresa deve estar detido por sócios que sejam profissionais que exercem as atividades referidas através da sociedade

Se todos estes requisitos se verificarem simultaneamente (rendimentos ≥ 75% profissionais, até 5 sócios, 75% do capital nas mãos dos profissionais ativos), então a sociedade fica automaticamente sujeita ao RTF como sociedade de profissionais.

Exemplo: Considera um pequeno escritório de advogados com cinco sócios, todos eles advogados que exercem efetivamente advocacia na sociedade, e onde 100% dos rendimentos provêm da prestação de serviços jurídicos aos clientes. Trata-se exatamente de uma sociedade de profissionais: a atividade (advocacia) está na lista do art. 151.º do CIRS, os sócios (até 5) são todos profissionais dessa atividade e não há outras fontes de rendimento. Consequência: esta empresa será tributada pelo regime de transparência fiscal, ou seja, o lucro apurado pelo escritório não paga IRC; em vez disso, é imputado proporcionalmente a cada advogado sócio, e cada um adiciona esse valor aos seus rendimentos pessoais a declarar em IRS. Se os lucros forem elevados, cada sócio pode pagar perto de 48% de imposto sobre a parte que lhe cabe, em vez dos 21% que a sociedade pagaria em IRC – uma diferença substancial.

2. Sociedades de simples administração de bens

O segundo grande grupo abrange as sociedades cuja atividade é basicamente administrar bens próprios, gerando rendimentos “passivos”. Aqui encaixam, por exemplo, as sociedades patrimoniais familiares criadas apenas para deter imóveis da família e receber as rendas, empresas cujo objeto seja investir ou gerir patrimónios (ações, imóveis, direitos) sem exploração comercial ativa, etc.

Para que uma sociedade seja considerada de “simples administração de bens” e caia no RTF, é necessário verificar-se estas duas condições:

  • Mais de 50% do total dos rendimentos da sociedade, na média dos últimos 3 anos, provêm desses bens, valores ou prédios que ela administra

  • Além disso, a lei exige um vínculo pessoal ou familiar nos sócios: ou a sociedade é detida maioritariamente por um grupo familiar, ou então o número de sócios é igual ou inferior a cinco (nenhum deles pessoa coletiva pública)

Caso Prático: Estruturação fiscal para uma empresa familiar

Cenário Atual - Abrangida pelo Regime de Transparência Fiscal

Imagine-se uma empresa familiar que obtém a maioria dos seus rendimentos através do arrendamento de propriedades imobiliárias (casas, apartamentos ou lojas arrendadas). Suponha-se que é detida pelo casal fundador e talvez pelos dois filhos – um típico negócio de família com quatro sócios, todos parentes e sem outros investidores.

Se mais de 50% das receitas anuais dessa empresa provêm das rendas dos imóveis (rendimentos prediais), então ela será considerada uma sociedade de simples administração de bens. Nesse caso, aplica-se o RTF: o lucro resultante dos arrendamentos é imputado diretamente a cada sócio na proporção das suas quotas, e tributado em IRS na mão de cada um.

Ou seja, mesmo que a empresa não distribua formalmente os lucros (por exemplo, retenha os ganhos para comprar mais imóveis), cada membro da família terá de declarar e pagar imposto pelos lucros como se os tivesse recebido pessoalmente.

Dependendo dos outros rendimentos individuais de cada familiar, isso pode significar pagar IRS a taxas altas sobre o lucro do arrendamento, em vez da taxa de 21% em sede de IRC que a empresa pagaria se não estivesse no regime transparente.

Cenário Alterado - Evitar o Regime de Transparência Fiscal

No caso das sociedades cuja principal fonte de rendimento é o arrendamento ou gestão de patrimónios, o foco para evitar o RTF será demonstrar que a empresa deixou de ser “mera administradora de bens” ou que deixou de ser uma empresa tão estritamente familiar/pequena. Em termos práticos, as medidas passam por:

  • Aumentar a proporção de rendimentos de atividades ativas (não passivas), isto é, que os rendimentos passivos (rendas, juros, etc.) deixem de exceder 50% do total. Em outras palavras, a empresa deve gerar receitas operacionais significativas de outra natureza, de modo que os rendimentos de mera gestão de bens caiam para metade ou menos.

    No caso de uma empresa de arrendamentos, isso implica diversificar o negócio além do imobiliário. Por exemplo, a sociedade pode oferecer serviços adicionais ligados aos imóveis: administração de condomínios de terceiros, serviços de manutenção e limpeza, aluguer de equipamentos e decoração, compra e venda ocasional de imóveis, ou qualquer outra atividade comercial que produza receita ativa.

  • Alterar a estrutura societária (diluir o caráter familiar ou restrito), ou seja, mudar a configuração de sócios da empresa. Se for uma sociedade 100% da família, considerar trazer um sócio externo (mesmo minoritário) pode ajudar – ainda que seja apenas 1% ou 5% do capital – pois nesse caso deixa de ser verdadeira a situação de “maioria do capital na posse de um grupo familiar” (a família passaria a deter, por hipótese, 95% ou menos).

    No entanto, atenção: a lei considera grupo familiar mesmo parentes até 4.º grau, portanto esse sócio externo deve não ter laços familiares próximos com os demais.

  • Além disso, garantir que a sociedade tenha mais de cinco sócios durante todo o ano anula completamente a condição do número máximo – embora na prática seja raro uma pequena empresa familiar conseguir seis ou mais sócios distintos.

    Uma alternativa viável pode ser reorganizar a participação dos familiares: por exemplo, se há 4 sócios que são todos irmãos, adicionar os cônjuges de dois deles como novos sócios, passando a 6 pessoas no total. Desde que essas novas entradas não sejam também familiares próximos (no caso, os cônjuges até são, por afinidade, mas suponhamos que não), a empresa poderia argumentar que já não é exclusivamente um grupo familiar nem tem apenas 5 ou menos sócios.

Para o exemplo anterior

Retomando a empresa familiar de arrendamentos, imagine que os sócios decidem implementar uma estratégia de diversificação. Mantêm os imóveis arrendados, mas abrem também uma pequena linha de negócio de prestação de serviços aos inquilinos e terceiros:

  • Alugam equipamentos e eletrodomésticos para as casas,

  • Fornecem serviço de manutenção de jardins nas propriedades e

  • Ainda gerem lugares de estacionamento pagos num dos edifícios.

Com estas iniciativas, ao fim do ano 60% dos rendimentos da empresa já vêm de serviços ativos, enquanto os 40% restantes provêm dos arrendamentos. Nesse cenário, já não estamos perante uma sociedade de simples administração de bens, pois os rendimentos passivos representam menos de 50% da média dos rendimentos totais, rompendo o critério definidor do RTF. A sociedade passaria a ser tributada normalmente em IRC pelos seus lucros.

Os sócios familiares, neste caso, passariam a pagar imposto apenas sobre os dividendos que efetivamente viessem a receber da empresa – e não mais sobre lucros fictícios não distribuídos. A empresa poderia reinvestir os lucros com maior eficiência fiscal.

Conclusão

Em suma, o Regime de Transparência Fiscal pode apanhar de surpresa muitas pequenas empresas, especialmente sociedades profissionais e sociedades patrimoniais familiares, levando a uma tributação direta e potencialmente pesada dos sócios.

Felizmente, a lei não “força” este enquadramento se a empresa não quiser – basta que não reúna os critérios impostos. Cabe aos empresários, com o devido aconselhamento contabilístico/fiscal, analisar atempadamente a sua situação e, se necessário, ajustar o modelo de negócio ou a estrutura societária para evitar cair (ou permanecer) no RTF.

Bons negócios e boa gestão!

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